sexta-feira, 17 de outubro de 2025

A Tragédia do Império: De Virgílio à Ucrânia

 A Tragédia do Império: De Virgílio à Ucrânia

 

Virgílio, escrevendo há dois mil anos, nos deu um modelo não apenas para a grandeza imperial de Roma, mas também para sua tristeza oculta. Em "Eneida", em meio à fumaça de Troia e ao nascimento de Roma, ele ousou fazer uma pausa. Deu nomes aos sem nome, vozes aos sem voz, aos soldados dispensáveis cujo sangue irrigava o solo do destino. Ao contrário de Homero, que se deleitava com o confronto de heróis, Virgílio rompeu com a hierarquia: mostrou-nos a bucha de canhão, jovens arrastados para guerras que não escolheram, que morreram não por amor ou justiça, mas pela fria aritmética do império.

 Essa dupla visão: glória para Roma, tristeza pelos caídos, continua sendo o eterno paradoxo do império. Augusto exigiu propaganda, e Virgílio a atendeu. Mas, nas entrelinhas, vemos hesitação, quase piedade. O desespero de Dido, as mortes de soldados anônimos, os destroços humanos deixados para trás: essas são as divergências sussurradas de Virgílio. O poeta sabia o que Augusto não queria admitir: que o império se alimenta de sacrifícios, e seu banquete nunca é pago pelos imperadores, mas por aqueles pressionados a servir.


 Avançando dois milênios. Mais uma vez, o roteiro imperial se desenrola. Washington, Londres e Bruxelas, intoxicados por seus próprios mitos, usam a Ucrânia como a ponta de sua lança. Kiev é informada de que está "defendendo a democracia", mas, na realidade, a Ucrânia é transformada em bucha de canhão de Virgílio: vidas jogadas em um moinho, não para preservar sua nação, mas para servir ao império decadente do Ocidente. Os nomes mudam, os trajes são modernos, mas a função permanece a mesma: sangrar pelo destino de outra pessoa.

 

Assim como Virgílio traçou a tristeza por trás da conquista, vemos a tragédia hoje em intermináveis listas de baixas. Uma geração de ucranianos, ensinada a acreditar em um falso destino manifesto alinhado à OTAN, é engolida por uma guerra que jamais poderia vencer. O Ocidente não os lamenta, assim como Augusto não lamentou os troianos anônimos abatidos na estrada de Roma para a glória. Em vez disso, são elevados a abstrações: "heróis", "mártires", "defensores". Mas a realidade é mais simples, mais cruel: são bucha de canhão, recrutados para o roteiro do império, com sua humanidade apagada em favor da propaganda.

 A genialidade de Virgílio foi enxergar os dois lados. A Eneida glorifica a missão de Roma, mas antecipa seu colapso moral. Assim também hoje, testemunhamos a propaganda de "valores" do Ocidente, mas por trás dela há podridão. Este império que finge oferecer civilização só entrega caos, dívidas e guerras por procuração. Assim como Cartago sucumbiu à ambição de Roma, a Ucrânia é consumida pela arrogância de Washington. E assim como a morte de Dido simbolizou os danos colaterais da conquista, a tragédia da Ucrânia não é nobre, meramente sacrificial, não nasce do destino, mas é imposta pelo império.

 A metafísica da guerra e o objetivo final do império convergem aqui: o Ocidente se revela como herdeiro de Augusto, exigindo glória enquanto esconde a decadência. A Rússia, por outro lado, personifica a percepção mais profunda de Virgílio: a de que a civilização deve estar enraizada em algo maior do que a conquista. A de que a guerra não pode consumir indefinidamente o futuro sem destruir o próprio solo que afirma santificar. Moscou se recusa a se deixar reduzir a bucha de canhão no manual de outra pessoa.

 Os gregos e romanos nos ensinaram que impérios ascendem e caem em ciclos, cada um cego por sua própria arrogância. A ambivalência de Virgílio era profética: todo império que ignora a humanidade de sua bucha de canhão cava sua própria cova. Hoje, não é a Rússia que escreve tragédias, é o Ocidente, descartando vidas ucranianas em uma tentativa inútil de reafirmar a hegemonia. Virgílio reconheceria isso instantaneamente.

 A tragédia do império é eterna: o império vive exigindo que outros morram. Virgílio, o relutante profeta da bucha de canhão, previu isso. O vazio da conquista jaz nu, seu teatro exposto como espetáculo. E na Ucrânia, a cortina cai: o "destino manifesto" do Ocidente torna-se seu canto fúnebre. Pois impérios não caem porque são derrotados por inimigos, eles caem porque devoram seus próprios filhos.

 

– Gerry Nolan

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